Saiba como as bactérias que vivem no intestino podem influenciar seu comportamento

Nos últimos anos, neurocientistas estão encontrando indícios de que o microbioma – complexo de trilhões de micróbios que vivem no trato digestivo do corpo humano saudável – poderia influenciar o cérebro e o comportamento, tendo possível relação com o desenvolvimento da doença de Alzheimer, Parkinson, depressão, esquizofrenia, autismo e outras condições.

Há muito tempo os cientistas sabem que os micróbios vivem dentro de nós, mas o microbioma resistiu teimosamente à descoberta científica. Por gerações, os microbiologistas só estudaram as espécies que podiam criar em laboratório, pois a maioria dos habitantes do nosso intestino não consegue sobreviver em placas de Petri. No início dos anos 2000, a ciência do microbioma teve um grande avanço quando os pesquisadores descobriram como sequenciar o DNA desses micróbios.

Inicialmente, os estudiosos usaram essa nova tecnologia para examinar como o microbioma influencia partes do nosso corpo cheias de bactérias, como o intestino e a pele. Mas poucos deram atenção para o cérebro, pois não parecia haver necessidade: ele está protegido da invasão microbiana pela chamada barreira hematoencefálica, que apenas pequenas moléculas atravessam. Até 2011 não era corrente procurar associações entre o microbioma e o comportamento, mas novos estudos vêm mudando o modo como alguns neurocientistas e biólogos moleculares veem o cérebro.

Esses estudos apontam, por exemplo, para a suspeita de que apenas algumas espécies no intestino – talvez até mesmo uma só – influenciam o curso do Alzheimer, talvez ao liberar uma substância química que altera a forma como as células imunes funcionam no cérebro. Não foi encontrado ainda o micróbio ou a substância química, mas os indícios estão lá.

Transplantes fecais podem ajudar a garantir essas ligações. Em uma determinada pesquisa, foram transferidas fezes de camundongos comuns para camundongos que foram tratados com antibióticos. Uma vez que seus microbiomas foram restaurados, os ratos tratados com antibiótico começaram a desenvolver aglomerados da proteína outra vez. Em outro estudo, pesquisadores examinaram fezes de ratos com uma mutação genética que os fazia comer muito e engordar. Transferiram as fezes para ratos que tinham sido criados sem germes – isto é, inteiramente sem microbioma intestinal – desde o nascimento, e os ratos livres de germes também começaram a comer muito e engordar. Além da alteração no apetite, descobriram que os roedores sem microbioma se tornavam solitários, preferindo ficar longe de seus companheiros. Descobriram que, em camundongos livres de germes, os neurônios da amígdala (região importante para o processamento de emoções sociais) produzem conjuntos incomuns de proteínas, alterando as conexões que fazem com outras células.

Estudos em seres humanos também revelaram alguns padrões surpreendentes, como o fato de existir diferenças nas bactérias do intestino de pessoas que apresentam condições como o autismo. No entanto, nenhuma dessas associações prova causa e efeito: encontrar um microbioma incomum em pessoas com Alzheimer, por exemplo, não significa que as bactérias produzam a doença. Pode ser o inverso: aqueles com Alzheimer em geral mudam seus hábitos alimentares, por exemplo, e essa mudança pode favorecer diferentes espécies de micróbios do intestino. E mesmo que esse tipo de pesquisa seja intrigante, há uma grande limitação: como os pesquisadores estão transferindo centenas de espécies bacterianas ao mesmo tempo, os experimentos não conseguem revelar quais, em particular, são responsáveis por alterações no cérebro.

Agora, pesquisadores estão determinando cepas individuais que parecem ter efeito. Para estudar o autismo, Mauro Costa-Mattioli e seus colegas da Faculdade de Medicina Baylor, em Houston, pesquisaram diferentes tipos de camundongos, cada um apresentando alguns sintomas de autismo. Uma mutação em um gene chamado SHANK3 pode fazer os ratos se limparem repetitivamente e evitarem o contato com outros, por exemplo.

Em outra cepa de camundongos, Costa-Mattioli descobriu que as mães com uma dieta rica em gordura aumentavam a probabilidade de que seus filhotes se comportassem dessa forma. Quando os pesquisadores investigaram os microbiomas desses camundongos, descobriram que os animais não tinham uma espécie comum chamada Lactobacillus reuteri. Quando adicionaram uma cepa dessa bactéria à dieta, os animais se tornaram sociáveis novamente.

Costa-Mattioli encontrou evidências de que o L. reuteri libera compostos que enviam um sinal para terminações nervosas no intestino. O nervo vago envia esses sinais do intestino para o cérebro, onde eles alteram a produção de um hormônio chamado ocitocina, que promove laços sociais.

Outras espécies microbianas também enviam sinais por intermédio do nervo vago. Outras ainda se comunicam com o cérebro pela corrente sanguínea. É provável que essa influência comece antes do nascimento, pois o microbioma da mãe libera moléculas que chegam ao cérebro do feto. As mães passam micróbios ao bebê durante o parto e a amamentação. Nos primeiros anos de vida, tanto o cérebro quanto o microbioma amadurecem rapidamente.

Para entender a influência do microbioma no cérebro em desenvolvimento, Rebecca Knickmeyer, neurocientista da Universidade Estadual de Michigan, estuda ressonância magnética funcional de crianças. Em seu primeiro estudo, publicado em janeiro, ela se concentrou na amígdala, a região de processamento de emoções do cérebro que Cryan e outros descobriram ser alterada em camundongos livres de germes.

Knickmeyer e seus colegas mediram a força das conexões entre a amígdala e outras regiões do cérebro. Bebês com uma menor diversidade de espécies no intestino têm conexões mais fortes, descobriram os pesquisadores. Não é possível dizer ainda se isso significa que um microbioma pouco diverso faz com que os bebês tenham mais medo dos outros, mas Knickmeyer espera conduzir mais estudos. Conforme os pesquisadores vão entendendo melhor como o microbioma influencia o cérebro, eles esperam que os médicos sejam capazes de usá-lo para tratar condições psiquiátricas e neurológicas. E é possível que venham fazendo isso há um bom tempo – sem saber.

No início de 1900, os neurologistas descobriram que submeter as pessoas com epilepsia a uma dieta pobre em carboidratos e rica em proteínas e gorduras às vezes reduzia as convulsões. Os camundongos epiléticos experimentam a mesma proteção com uma dieta chamada cetogênica, mas ninguém saberia dizer por quê. Elaine Hsiao, microbiologista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, suspeitava que o microbioma fosse a razão.

Para testar sua importância, Hsiao e seus colegas criaram camundongos livres de micróbios. Quando submeteram os animais epilépticos livres de germes a uma dieta cetogênica, descobriram que eles não estavam protegidos das convulsões. Mas, quando deram fezes de animais em uma dieta cetogênica aos camundongos livres de germes, o número de convulsões diminuiu. Hsiao descobriu que dois tipos de bactérias intestinais em particular prosperam em camundongos com dieta cetogênica. Eles podem fornecer aos hospedeiros blocos de construção de neurotransmissores, que brecam a atividade elétrica no cérebro.

É possível que os epiléticos não precisem adotar uma dieta cetogênica para obter seus benefícios – um dia, poderão apenas tomar um comprimido contendo as bactérias que prosperam com a dieta. 

Sarkis Mazmanian, microbiologista da Caltech, e seus colegas identificaram uma única estirpe de bactérias que causa sintomas de Parkinson em camundongos. Ele abriu uma empresa que está testando um composto que pode bloquear os sinais que o micróbio envia para o nervo vago. Mazmanian e outros pesquisadores agora precisam alcançar um equilíbrio complicado. Por um lado, seus experimentos provaram ser notavelmente encorajadores; por outro, os cientistas não querem incentivar a noção de que as curas baseadas no microbioma estão para chegar.

Isso não é fácil quando as pessoas podem comprar probióticos sem receita médica e quando algumas empresas estão dispostas a usar a pesquisa preliminar para vender micróbios para tratar condições como a depressão. 

Costa-Mattioli espera que o L. reuteri algum dia possa ajudar algumas pessoas com autismo, mas adverte os pais contra o tratamento de seus filhos com probióticos comprados em lojas. Ele descobriu que algumas cepas de L. reuteri alteram o comportamento de camundongos, e outras, não.

Katarzyna B. Hooks, bióloga computacional da Universidade de Bordeaux, na França, advertiu que estudos como o de Costa-Mattioli ainda são incomuns. A maioria dessas descobertas vem de pesquisas com transplantes fecais ou camundongos livres de germes – experimentos nos quais é especialmente difícil identificar as causas das mudanças de comportamento.

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